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Confissões de uma Terapeuta

  • 13 de out.
  • 4 min de leitura
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Há uns anos zanguei-me com a espiritualidade, aliás, acho que me zanguei comigo mesma e com as minhas expectativas defraudadas de uma vida desejada que não estava a acontecer, uma vida imaginada em livros de contos de fadas onde todos viveram felizes para sempre... só que não, a vida real não é só cor-de-rosa, ela reveste-se de tonalidades diversas que não pedem opinião para existir - simplesmente invadem a tela em que te movimentas.


Nessa altura, projetava a raiva na vida, a partir de um lugar inóspito que se tornou a lente com que encarava o mundo; um lugar estéril, sem espaço para a magia ou o sonho. Afastei-me do mistério e aproximei-me do cognitivo, daquilo que era mensurável, porque sentia conforto no concreto, no expectável, e pensei que o objetivo e quantificável iria responder aquilo que o subjectivo não deu resposta... Mas, enganei-me, pois a lente exageradamente "cientificada" apenas agravou a minha sintomatologia, fechou as portas da magia, endureceu o meu coração, toldou o meu juízo e embruteceu a minha intuição. O meu olhar de menina foi substituído pelo cinismo de uma alma em dor que não se reconhecia, e essa visão cristalizou-se e ganhou forma sólida - fiquei mais pequena e o meu mundo também. Busquei evadir-me no conhecimento, mas não o soube dosear nem me soube ouvir, e a minha alma ficou em suspenso, em estado criogénico, à espera de uma onda de afabilidade que descongelasse o meu coração. E, ainda bem que soube esperar...


Acredito que nada acontece por acaso e, após anos de zanga com o mundo e com a vida, a hibernação culminou numa dor aguda que me fez voltar à minha transpessoalidade, que me fez voltar a mim. No meio dessa tempestade, encontrei-me, reconheci a faísca de luz que sou, prestei-lhe atenção e levei-a para casa, afaguei-a no meu peito e nutri-a com um alimento que não sabia ter, abracei-a e acolhi-a de volta, com os braços abertos e o coração, agora, cheio. Isto não foi por acaso, foi uma lembrança daquilo que é o meu caminho! Só quando a vida me deixou de joelhos é que me relembrei de mim e de quem eu sou, só quando parei (e me recolhi) é que redescobri a força interior que sempre me guiou, mesmo quando parecia dispersar. Precisei reaprender as coordenadas do meu verdadeiro caminho, mas agora já era mais fácil porque o fizera antes; agora só precisava relembrar de como usar os músculos do coração e do espírito, utilizando a memória (trans)celular e reaprender a amar e a viver, com tudo o que sou e com tudo o que existe.

E a vida é isto, um vaivém de emoções e estados de alma, um turbilhão de acontecimentos que nos tiram o chão, uma queda livre sem paraquedas de emergência. E só quando nos permitimos cair é que nos conseguimos levantar, e só quando nos damos conta da dimensão da nossa queda é que nos permitimos recompor e voltar a caminhar. E isto é a transpessoalidade! Só quando parei e me sentei comigo é que compreendi verdadeiramente o que a minha alma pedia: um retorno a mim!


E, porquê tudo isto para voltar ao ponto de partida? Eu não voltei ao ponto de partida, eu recomecei a partir de um lugar diferente daquele em que me deixei, e sou quem sou hoje devido aos desafios que enfrentei, e não apesar deles... eu encontro-me neste lugar porque me dei à transformação, porque me expus às intempéries interiores, porque me dei à vida, porque me permiti sentir desconfortável... Foi esta disposição interna que me deu asas para explorar a vida e tudo o que ela contém, e mais importante, permitiu-me regressar fortalecida e renovada, permitiu-me transformar o medo em segurança, a zanga em esperança, a tristeza em amor, e as dores, essas também la estarão pois também a partir delas construo os pilares de quem eu sou.


No Transpessoal descobri, e aceitei, a inteireza de quem sou, a sombra que também me constitui, a harmonização da co-habitação de preposições díspares, pois"não há nada em nós que não possa ser amado". Na Terapia Transpessoal aprendi a habitar os espaços sombrios de mim, sem medo ou inconsciência, mas com curiosidade; aprendi a reconhecer as minhas emoções e a dar-lhes um nome; aprendi a sentar-me com a minha animosidade e a apreciar a mulher guerreira que há em mim; aprendi a acolher a minha sombra e a minha criança ferida...


E esta é parte da minha história, numa partilha despida e autêntica, uma mulher inteira a nú, a ser quem sou e o que sou, sem pedir desculpa nem licença, mas sim avançando no fluxo da vida reclamando o que dela sempre foi: a sua verdade! Porque a vida não é uma história de encantar, mas sim um lugar real, o palco onde tudo tem espaço para existir: a alegria, a dor, o cansaço, a vitalidade, a vergonha, o entusiasmo, a raiva, a curiosidade, a tristeza, a partilha, a desilusão, ... Porque nós queremo-nos, e somos, pessoas inteiras, não recortes embelezados ou reflexos idealizados das projeções de quem os outros esperam que sejamos! Somos mulheres e homens inteiros, mas também pedaços de expectativas que se quebraram, somos remendos de caminhos que não escollhemos, somo pó e cinza de tudo o que não deu certo. Somos a gargalhada mais sincera e o grito mais profundo, somos o amor que não nos cabe nos braços e a saudade do que partiu. Somos vida, somos histórias, e esta é a minha. E a tua, o que conta a tua história?

 
 
 

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